"Saudade da vista que tinha todos os dias na sacada do meu quarto, ou quando me dirigia a uma das janelas do apartamento que vivi..." |
15 de dezembro, a fronteira deixa de ser meu lar. Hora de
levantar acampamento. Depois de quase 4 anos chegou o dia de partir, e a dor da
partida sempre é desconfortante, mas nesse caso não me pareceu tão ruim ter que
senti-la. Deixar a Terra dos Presidentes
não foi uma tortura, pelo contrário, um alívio. Muitas são as histórias que
guardarei comigo. Bons amigos, boas aventuras, outras nem tanto, enfim foi um
tempo marcado por diversas proezas. Foram anos positivos na minha vida, os de
maior aprendizado quiçá, como em toda fase vencida.
O motivo de minha estada em São Borja foi único: conquistar
um ideal. Lembro-me da primeira vez que coloquei os pés no chão fronteiriço,
foi no final dos anos 90. Considerei por longa data uma das piores viagens que
fiz na vida. Como se fosse hoje recordo que, quando guri, ainda antes de sair
de casa para conhecer a terra do Getúlio Vargas, ouvia os comentários sobre os ex-presidentes,
conversas sobre o grande Rio Uruguai, sobre a Ponte da Integração recém
construída, a fronteira com a Argentina; aquilo tudo me causava uma curiosidade imensa,
mas ainda parecia muito longe.
Chegando a cidade me deparo com o Texas. Casas velhas,
abandonadas, prédios sem pintura, juventude nem pensar, um calor imensurável,
terra vermelha... foi aí que iniciou uma estreita relação de antipatia pelo lugar,
nunca que iria morar lá. Pedia, aos meus pais, que fôssemos logo embora até que
no fim da visita resolveram me levar ao cais do porto: te-ne-bro-so. Aquela
baixada de terra e pedras soltas, e aqueles casebres de madeira que chamavam de
bar me causaram uma tristeza, uma única vontade: voltar. Ô lu-gar-zi-nho feio.
Pronto, o passeio acabou e pegamos o rumo de casa pela 287
com a certeza de que lá jamais voltaria a pisar. Mas a certeza é tão incerta
quanto o destino. Eis que anos depois, em janeiro de 2009, uma ocasião mais do
que especial me levaria novamente à fronteira. Uma prova puxada e cansativa me
fez passar um domingo abafado e monótono na cidade em que eu jamais estaria de
volta. Meu terceiro vestibular. Alguns dias depois recebia a resposta do
processo: Aprovado, logo apavorado.
Pressionaram o REW da minha memória e fiz um passeio pelas lembranças
que eu tinha da terra missioneira. Um filme passou na minha cabeça... naquela
hora: e agora?
No início de março de 2009 tornei-me mais um texano, ou
melhor, um forasteiro passando uma temporada no chão de Jango. Minha chegada,
no primeiro dia de aula, inesquecível, não me fez ter uma sensação tão
diferente daquela dos anos 90, o que mudara era o motivo que me levou até lá. Dali
em diante meu percurso entre o pó vermelho e o sol escaldante seria a prova
concreta de que quando se quer algo, pode. Rompi o preconceito criado sobre a
cidade e segui rumo a minha formação.
Com o tempo aprendi a relevar muitas situações, aceitar a
diversidade de opiniões, conhecer um pouco do costume da fronteira e de seus
nativos (e que se estenda aos colegas de outras cidades da região), vi a cidade
por outros ângulos e consegui perceber que o caminho a ser trilhado era o
certo. Três anos e 9 meses, meu prazo de validade como habitante de São Borja
venceu. Apesar de deixar bons amigos, companheiros e conhecidos, e ter vivido tantas
conquistas bacanas além de ganhar aprendizados para a vida, o momento de partir
chegou e eu deixei a cidade com sentimento de nostalgia. Saudade da vista que
tinha todos os dias na sacada do meu quarto, ou quando me dirigia a uma das
janelas do apartamento que vivi e dividi todo esse tempo com estranhos que
foram passando e deixando seus rastros e suas histórias no famoso 1002 no
prédio do sindicato; saudade do pôr-do-sol no cais do porto; saudade de sentar
na barranca do Rio Uruguai e ver crianças correndo, casais apaixonados,
famílias com seu chimarrão desfrutando um fim de tarde; saudade de passar pela
praça da lagoa e olhar para as tartarugas acavaladas sobre seus cascos buscando
um lugar ao sol; saudade de poder atravessar a ponte e me sentir longe de tudo
e de todos; saudade de receber a ligação de um amigo ou outro chamando pra
fazer algo.
Em todo o tempo que fui mais são-borjense do que santiaguense
vi os velhos casarões do centro tomarem formas de prédios e pontos comerciais;
vi espaços vazios darem lugar a novos empreendimentos; vi o marasmo indo embora
sendo substituído pelas ruas e calçadas lotadas; vi idosos mesclando suas
rotinas com o furor de jovens que de longe vieram dar rumo dos seus futuros; vi
a terra dos arrozeiros se transformar em cidade universitária; vi motoristas aprendendo
a respeitar pedestres. Enfim, vi mudanças. Deixei a Terra dos Presidentes com a
noção de que uma vez história outra realidade, e que no contexto desse presente
estão se formando ideais.
Na Terra onde a sociedade ainda é dividida em classes
sociais, aprendi que a humildade no
sentido mais amplo de sua palavra tem um valor impagável, e que amigos são
pessoas comuns, não importa de onde venham eles também têm seus problemas, suas
diferenças e suas confusões. Despeço-me na certeza de que voltarei a São Borja
e encontrarei braços abertos aguardando um abraço amistoso e sorrisos descontraídos
me esperando para matar aquela saudade.
Ficam os votos:
Aos que chegam, que respeitem o processo de adaptação que a
cultura e a tradição da região está passando. Sim, São Borja esteve parada no
tempo e agora depende de pessoas como nós, com ideais e novas metas, que chegam
para mudar a cara e respirar ar diferente. Se a cidade não tem um shopping, um
cinema, ou mesmo um comércio decente é porque ainda não tinha um grande motivo.
Aos nativos, que tenham paciência. Se querem mudança e
evolução é preciso receber bem àqueles que depositam todo mês suas
contribuições em aluguel, IPTU, ou mesmo diariamente consumindo produtos da/na terra.
É preciso ser flexível.
Deixo uma música que marcou muito meu tempo em São Borja.
Um grande abraço a todos e obrigado pela visita.
Gostou ou não, deixa um comentário aí, ok?! ;)
Gostou ou não, deixa um comentário aí, ok?! ;)
Paulo, muito bonitas tuas palavras. Pode ter certeza que plantou muita coisa boa por aqui, e que muuuita gente te espera de braços abertos quando vier rever os amigos ou simplesmente cruzar por São Borja, com destino a Argentina, "festiar" um pouco. rs
ResponderExcluirSucesso nessa nova fase da tua vida. Te considero muito.
Abraço!!
Obrigado pelo comentário e pelas palavras. Gostaria de saber quem é, mas se deixou anônimo não tem problema, deve ser um amigo ou amiga de respeito, hehe. Abração.
ExcluirPaulo Messa
Muito bom, Pauléti!
ResponderExcluirAdivinha quem é? ;)
Preciso responder, será? Hehehe. Obrigado, Caroléti! Bjão.
ExcluirBelas palavras Renato!
ResponderExcluirMuito sucesso e felicidade!
Abraço
Léo
Valeu, Léo! Obrigado pela visita e pelas palavras. Tudo de bom pra ti tb. Abração.
ExcluirQue legal tua carta de despedida, belas palavras. Descreveu São Borja muito bem, é isso aí, devemos enquanto seres humanos desconstruir "pré-conceitos" e flexibilizar nossas atitudes perante o "antigo" e o "novo" já que ambos se complementam. Parabéns e sucesso na profissão!! :)
ResponderExcluirBruna
Bruna, obrigadão pelo comentário e pelos votos de sucesso. Obrigado pela visita. ;)
ExcluirHoje moro em Blumenau, no entanto sou natural de São Borja e tua carta descreve o carinho que tenho por esta terra desde guri... aos que julgam São Borja sem conhecer, precisam aprender que a essa terra tem histórias, memórias e quem dali saiu muito orgulho tem em retornar. Grande é o coração de quem jamais irá renegar seu chão
ResponderExcluirFernando Souza - De São Borja para o mundo
Legal, Fernando.
ExcluirObrigado pela visita.
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Paulo